O que acontece quando paramos de criar?
Um alerta para a comunicação, o branding e a essência das marcas
Eu tinha ao menos três temas rascunhados para esta newsletter, mas a escolha de hoje foi definida por uma postagem que vi na última terça-feira.
A imagem em questão circulou pelo Threads, compartilhada por diversas fontes—sem que eu conseguisse rastrear a original. Mas, se a origem se perdeu, a mensagem ficou: estamos perdendo a capacidade de nos comunicar e criar.
Há um mês, a IGN Brasil publicou uma matéria afirmando que a geração Z está enfrentando dificuldades em se expressar. Algo que, sejamos honestos, não surpreendeu absolutamente ninguém.
Com conteúdos cada vez mais rasos e o TikTok dominando como a rede social mais acessada—superando até o Google como ferramenta de pesquisa—, as novas gerações não apenas têm dificuldade em manter o foco para ler textos longos, mas também em escrevê-los.
Tudo ficou superficial. E isso impacta a sua marca mais do que você imagina.
Mas antes de irmos mais fundo, coloca uma música de fundo, pega um café e on y va! ☕✨
A literatura em risco
Houve um tempo em que as palavras carregavam camadas. Uma frase não era apenas uma frase, mas um convite à interpretação, à imersão no não dito.
Hoje, parece que perdemos essa capacidade. A literalidade tomou conta das conversas, das redes sociais, da forma como absorvemos informação. O sarcasmo, antes uma ferramenta refinada, agora precisa vir acompanhado de um aviso—"isso é ironia"—como se cada figura de linguagem exigisse um asterisco.
Tudo precisa ser explicado, seja pela falta de compreensão do público ou pela problematização de qualquer questão.
Isso não é apenas um detalhe da evolução digital. É um sintoma de algo maior: estamos perdendo a habilidade de pensar de forma complexa, de conectar ideias, de construir raciocínios que vão além do imediato. Você já percebeu?
A internet nos deu acesso rápido a tudo: definições, referências, imagens, respostas prontas. O que antes demandava horas de observação e experimentação, hoje se resolve em segundos, com um clique. Se não sabemos algo, perguntamos à inteligência artificial, e a resposta surge instantaneamente.
Mas isso tem um custo. Se não precisamos imaginar, criar ou argumentar… por que aprender a fazê-lo?

As novas gerações estão crescendo sem a necessidade de construir analogias ou de fazer perguntas profundas—e a sociedade já sente os efeitos disso.
A comunicação formal está fragilizada, a literatura e o cinema se tornam cada vez mais superficiais e sem ousadia—afinal, é isso que o público atual consome. Até a arte, que sempre foi um território de experimentação do pensamento, está sendo esvaziada. Se um filtro pode replicar qualquer estética em segundos, por que se esforçar para desenvolver um olhar próprio?
A palavra autenticidade nunca esteve tão em alta, mas sem um olhar próprio, como alguém pode realmente ser autêntico?
Nessa onda de "seja você mesmo", muitos se perdem na cópia. O resultado? Um mar de conteúdos idênticos, onde a originalidade se dilui e o diferente se torna apenas uma repetição disfarçada. E é assim que nos deparamos, cada vez mais, com cenas como esta:
A verdade é que a fórmula da autenticidade é simples—mas poucos têm a disciplina (ou mesmo a vontade) de aplicá-la:
Autoconhecimento – Para saber quem se é de verdade, sem depender da validação externa.
Coragem – Para assumir essa identidade e expressá-la sem medo.
Repertório – Para fugir do óbvio. Em vez de buscar referências no que já está saturado na internet, explorar livros, viagens, museus, caminhadas—experiências que expandem a visão de mundo.
Criar mais do que consumir – Porque a originalidade nasce da experimentação, não da repetição.
É a fórmula nada secreta, mas que poucos têm a disposição de praticar.
A falta de profundidade e a sua marca
Quantas empresas você conhece que realmente têm uma personalidade única? Que possuem um posicionamento autêntico, uma identidade visual que não é apenas um reflexo de uma tendência passageira?
Poucas. Mas grandes marcas se destacam exatamente por isso.
Um exemplo que ganhou os holofotes franceses na última Semana de Haute Couture foi Gustavo Silvestre.
Nascido no Recife, Gustavo carrega no DNA de sua marca o artesanal, as referências europeias e a praia. E isso não está apenas em seu discurso—essas três características são visíveis em cada peça que cria, todas feitas à mão, com um cuidado quase ritualístico.
Seu trabalho único não apenas conquistou o Brasil—onde já é copiado por outras marcas—como também chegou às passarelas parisienses colaborando ao lado da marca Kevin Germanier.
"Levar o crochê à alta costura é um marco para nós — um trabalho feito à mão, ponto a ponto, por muitas mãos. Obrigado, Kevin Germanier, por abrir esse espaço e tornar esse momento possível.” — Gustavo Silvestre, via Instagram.
Como já disse antes (e repito sempre): autenticidade exige coragem. E Gustavo carrega essa coragem na veia. Ele sabe que seu produto não é para qualquer pessoa—por gosto, estilo, biotipo, localidade e tantos outros fatores. Mas isso nunca o impediu de trazer sua visão para o mundo.
A maioria das marcas, no entanto, faz o oposto. Em vez de olharem para dentro e entenderem sua essência, elas se refugiam na literalidade e na segurança do previsível. Temem gerar polêmica, afastar consumidores ou simplesmente errar. Mas, ao tentar agradar a todos, acabam não se conectando verdadeiramente com ninguém.
Sem referências reais, sem repertório sólido, caem na cópia. O branding, que deveria ser uma expressão única, vira um amontoado de clichês. Repetem o que já funcionou para outros, seguem a estética do momento, adotam discursos prontos sem questionar se fazem sentido para elas. O resultado? Narrativas vazias, metáforas inexistentes, histórias sem profundidade.
E o público sente isso. Pode não saber explicar, mas percebe quando uma marca não tem alma. Quando tudo parece genérico, sem camadas, sem verdade. Quando o discurso é bonito, mas não carrega substância.
O risco? Criar uma marca que nunca se estabelece como verdadeira e que vive sob um céu de vidro, pronto para estourar na primeira chuva. E isso é diferente de seguir tendências. É sobre não saber adaptá-las ao estilo pessoal da marca.
É por isso que perfis como @camifashiontips_parecidinhos têm ganhado tanta popularidade. E por isso que a polêmica da Tânia Bulhões tomou proporções muito maiores do que a marca jamais imaginou.
A ironia? Apesar de evitarem temas profundos, as novas gerações querem verdade naquilo que consomem. (A hipocrisia da Geração Z? Deixemos para outro dia…). Afinal, quem quer se sentir enganado?
No fim, o que era para ser identidade vira apenas mais uma voz no ruído.
A arte nos traz a solução
Esse fenômeno não é novo.
No Renascimento, os artistas não apenas imitavam os clássicos: eles os reinterpretavam, criando algo novo a partir de um repertório rico. Leonardo da Vinci e Michelangelo estudavam as esculturas greco-romanas, mas não as copiavam fielmente—eles adicionavam sua visão, aprofundavam as técnicas, criavam novas formas de representar a realidade.
Um ótimo exemplo disso é a obra O Nascimento de Vênus, de Botticelli. Inspirada na arte clássica, mas com uma abordagem completamente nova em termos de composição, cor e simbolismo. Era uma reinvenção, não uma reprodução.

Mas, ao longo da história, também houve momentos de crise criativa.
No século XIX, o academicismo dominou a arte europeia. As academias impunham um conjunto rígido de regras sobre técnica, composição e temas considerados “adequados” para a pintura e escultura. O resultado? Um período de extrema repetição e ausência de inovação.
A arte acadêmica gerava pinturas grandiosas, tecnicamente perfeitas, mas que pareciam versões diluídas umas das outras. Artistas eram treinados para seguir fórmulas, não para pensar criticamente ou experimentar novas linguagens.
Um exemplo disso é a obra Ofélia, de John Everett Millais, que tem uma técnica impecável, mas segue os padrões rígidos da época.
Foi preciso uma revolução para quebrar esse ciclo. E essa revolução veio com os Impressionistas. Monet, Renoir, Degas—todos eles rejeitaram a rigidez do academicismo e começaram a pintar a realidade como sentiam, e não como mandavam as regras, dando início ao que conhecemos hoje como Modernismo, que traz um conjunto de movimentos revolucionários.
A obra que deu início ao Impressionismo e causou uma grande revolução na História da Arte:
Eles foram criticados, ridicularizados, mas persistiram. O resultado? Mudaram a história da arte para sempre.
Talvez estejamos, mais uma vez, em um momento que exige essa ruptura.
Hoje, no branding, na arte e na comunicação, estamos cercados por repetições mecânicas de ideias. Como no academicismo do século XIX, as marcas seguem fórmulas seguras, apostam em estéticas previsíveis, reciclam discursos sem real profundidade.
Mas, assim como os Impressionistas, quem ousa romper com isso tem a chance de entrar para a história.
Ações que colocam sua marca contra a maré
O primeiro passo para romper esse ciclo é sair do imediatismo. A criatividade não floresce na pressa, nem na superficialidade. É preciso criar espaços de desconexão para que a mente tenha tempo de construir suas próprias conexões.
Isso significa resistir à necessidade de respostas instantâneas, permitir-se o silêncio, o tédio, a reflexão profunda. Significa buscar estímulos que desafiem, e não apenas confirmem, o que já sabemos. E, mais uma vez, a gente entende que a solução vai contra a pressa da sociedade contemporânea:
O que eu sugiro para recuperar a profundidade:
Leia obras que exigem interpretação.
Clássicos literários, poesia, ensaios filosóficos. Livros que fazem pensar, que deixam perguntas abertas, que exigem um olhar além da superfície. Ler A Metamorfose de Kafka, O Processo Criativo de Henri Matisse ou um poema de Drummond pode despertar ideias muito mais poderosas do que consumir centenas de conteúdos rápidos na internet.Escreva sem a ajuda de inteligências artificiais ou corretores automáticos.
A escrita manual ativa partes do cérebro ligadas ao pensamento crítico e à criatividade. Reflita sobre algo e escreva com suas próprias palavras, sem medo de errar.Passe tempo observando o mundo sem interação digital.
Apenas observe. O jeito como a luz incide em um prédio, a expressão das pessoas em um café, as cores de uma rua depois da chuva. A criatividade vem da atenção.Busque referências fora do seu nicho.
Se você trabalha com moda, estude arquitetura. Se é designer, aprenda sobre música. Se é artista, explore a ciência. Grandes criadores do passado—de Leonardo da Vinci a David Bowie—tinham repertórios vastos e inesperados. Isso os tornou únicos.Permita-se ficar desconfortável com silêncios e perguntas sem respostas imediatas.
Nem tudo precisa ser resolvido em segundos. Algumas das melhores ideias nascem da dúvida, do incômodo, da busca sem garantias.
Se queremos marcas mais autênticas, arte mais significativa e uma comunicação mais profunda, precisamos recuperar a capacidade de interpretar, criar e argumentar.
A diferença entre um criador mediano e um verdadeiro inovador não está no acesso às ferramentas, mas na maneira como ele olha para o mundo.
A pergunta que fica é: você está disposto a enxergar além do óbvio?
Além dos conteúdos já sugeridos, hoje vou sugerir 3 newsletters que acompanho e que sempre tem conteúdos bons e autênticos para compartilhar:
Season, da Thami Carelli - conteúdos vastos, mas que sempre inserem o universo das marcas. Adoro a leitura fácil, crítica e inteligente com a qual a Thami escreve.
Inspirações, da Cynira Altenfelder - a Cynira tem um repertório único que mistura magia, astrologia, literatura, viagens e ela inclusive está fazendo uma pela Itália. Sigam e recebem histórias deliciosas por 10 dias.
[backtobasics], da Suellen Gargantini e Agência CoCriante - a descrição da newsletter é “curadoria essencial” e já diz muito, não é? Ainda está na primeira edição, mas posso garantir que você não vai se arrepender de seguir.
"A arte deve confortar os perturbados e perturbar os confortáveis." – Banksy
Por fim, desde o dia 01 de fevereiro, estou compartilhando frases de artistas e pinturas diariamente no Threads, para enriquecer o conteúdo da minha página e fortalecer o meu posicionamento artístico.
A frase de Banksy foi o meu primeiro Thread a “viralizar” e eu achei que valia compartilhá-la por aqui também. E se você não quiser perder esse conteúdo extra, te convido a seguir minha página.
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Merci por me acompanhar! Nos vemos na próxima semana.
Bisous,
Francy.