Você prefere fama ou prestígio?
Uma lição de Cristóbal Balenciaga num mundo onde se topa tudo por dinheiro
Esta newsletter chega direto da madrugada italiana, ainda noite no Brasil, depois de um dia intenso de inspiração e novidades direto da MFW. O assunto seria outro, mas a exposição em homenagem a Cristóbal Balenciaga surge justamente num momento em que o mundo da moda parece um verdadeiro turbilhão.
Hoje, vamos direto ao ponto. Então, aperte o play na música de fundo e on y va!
Cristóbal Balenciaga: posicionamento antes do dinheiro
Em meio ao caos da Semana de Moda de Milão, um respiro de paz: uma exposição que não só homenageia um dos mais icônicos estilistas espanhóis, Cristóbal Balenciaga, mas também celebra a excelência artesanal da produção de sapatos da Espanha.
A curadoria dessa exposição está impecável. Peças originais de Balenciaga dialogam com sapatos modernos que poderiam muito bem ter sido inspirados nelas. Capas históricas de revistas, que um dia estamparam suas criações, aparecem lado a lado com o ambiente artístico dos palazzos milaneses, tornando a experiência ainda mais envolvente.
Beleza, qualidade e excelência são apenas alguns dos adjetivos que descrevem cada peça apresentada. É inegável o quão artística e autoral a moda espanhola é.
Se você só conhece o nome Balenciaga pelas polêmicas recentes da marca, saiba que uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Cristóbal Balenciaga (1895-1972) foi um dos maiores mestres da alta-costura. Conhecido por sua precisão técnica, inovação em silhuetas e domínio absoluto da construção das peças, ele foi chamado de "o costureiro dos costureiros". Seu trabalho influenciou diretamente nomes como Hubert de Givenchy e Christian Dior, e Coco Chanel chegou a dizer que ele foi o único verdadeiro couturier—sente o peso disso!
Nos anos 50 e 60, Balenciaga revolucionou a moda com suas silhuetas inovadoras: vestidos em linha A, casacos sem colarinho, formas estruturadas e elegantes. No entanto, com a ascensão do prêt-à-porter e a mudança no mercado da moda, ele tomou uma decisão radical: fechou sua maison em 1968, recusando-se a comprometer sua visão artística em prol da produção em massa.
A verdade todos nós já sabemos: qualidade e quantidade raramente caminham juntas. Mas será que o mercado da moda tem coragem de seguir o exemplo de Cristóbal e frear a produção, ou seguirá comprometendo a visão (e a história) de marcas icônicas por dinheiro?
“O prestígio é mais importante que a fama. O prestígio permanece, a fama é efêmera.” Cristóbal Balenciaga
No fim, tudo é uma questão de entender se o que vale é o dinheiro ou o prestígio que a marca conquistou ao longo dos anos.
Esse é o dilema que a indústria enfrenta agora.
A dança das cadeiras dos diretores criativos da moda
Nos últimos meses, o mundo da moda de luxo tem enfrentado uma série de turbulências que refletem uma crise criativa e estrutural no setor. Desde a saída de Virginie Viard da Chanel, em junho de 2024, após quase três décadas dedicadas à maison, até a demissão recente de Sabato De Sarno da Gucci, observamos uma instabilidade sem precedentes nas lideranças criativas das principais grifes.
A saída abrupta de De Sarno da Gucci ocorreu sem qualquer aviso prévio, surpreendendo o mercado e os entusiastas da moda. O mesmo aconteceu ontem com os estilistas Lucie e Luke Meier, que foram desligados da Jil Sander, deixando claro a volatilidade nas direções artísticas das marcas de luxo.
“A mudança ocorre duas semanas depois que o ex-chefe da Fendi, Serge Brunschwig, foi nomeado CEO da Jil Sander, bem como diretor de estratégia da OTB. Na semana passada, o grupo reportou uma queda de 4% nas receitas em 2024, depois que o aumento das vendas na Diesel e na Margiela não conseguiu compensar as quedas na Jil Sander e na Marni.” - De acordo com a plataforma Business of Fashion
Paralelamente a essas mudanças, o setor enfrenta uma queda significativa nas vendas. O grupo LVMH, que abriga marcas como Louis Vuitton e Dior, registrou uma diminuição de 3% nas vendas no primeiro trimestre de 2024, seguida por uma queda de 1% no segundo trimestre. A Kering, conglomerado que controla a Gucci, também emitiu alertas sobre lucros, indicando desafios financeiros no segmento.
A verdade é que eu não estou aqui para falar sobre luxo ou sobre a queda de vendas. São muitas camadas que precisamos saber para entender esse assunto e, para isso, eu te recomendo seguir a Tamara Lorenzoni que é especialista nele.
A minha atenção e reflexão é, na verdade, para como o excesso de desfiles e a pressão por constantes novidades têm prejudicado a criatividade não apenas na moda, mas no mundo como um todo. A necessidade de venda e de enriquecimento acima de tudo têm matado aos poucos a criação autoral, o novo, o inusitado.
Falei mais sobre isso há duas semanas, nessa news.
A ânsia pelo novo é tanta, que dos desfiles que já aconteceram essa semana, o mais falado nas páginas italianas até agora foi o da DSquared2, dos irmãos Dean and Dan Caten.
O simples fato deles terem entrado no desfile num carro de polícia, fez ferver as redes sociais. Faz o meu estilo? Não. Achei bonito? Nem um pouco. Mas traz de volta a rebeldia do grunge dos anos 90 que revolucionou a moda da época.
As pessoas estão ansiando por algo novo, mas para isso é necessário tempo.
Talvez seja necessário fazer como Cristóbal e dar um passo para trás. Entender que é tempo de espaçar as produções, criar mais valor em cima do que existe e trazer de volta o que verdadeiramente é o luxo: o feito à mão, a história, o tempo e o cuidado.
Isso talvez resolveria até mesmo o problema de exploração que o setor da moda enfrenta até hoje.
Mas é possível criar algo novo?
Em meio a tudo que já foi criado, esse é um questionamento que sempre nos rodeia: ainda há espaço para inovação, seja na moda como em outros setores criativos?
A verdade é que nada precisa ser inventado do zero. Já temos referências, técnicas, inspirações e uma bagagem cultural longa, mas isso não significa que a criatividade se esgotou. Pelo contrário—revisitar o passado, reinterpretar ideias e dar novos significados a elementos clássicos é, por si só, um processo criativo poderoso.
Uma outra exposição que tive a oportunidade de visitar ontem me mostrou isso.
O Tube Culture Hall apresenta Milk & Cookies, uma exposição coletiva com Amit Berman, Charles Laib Bitton, Louise Janet, Deb Koo e Ollie White com curadoria de Jemma Elliott-Israelson.
A exposição reúne um comovente acervo de obras figurativas, entrelaçando temas de memória, nostalgia e interioridade. Retratando momentos privados e interiores, muitas vezes perdidos nas realidades curadas da tecnologia, das redes sociais e da fotografia, a exposição revela a solidão e a desconexão da vida moderna, ao mesmo tempo que nos lembra da beleza profunda das ligações e memórias do quotidiano.



Perceba que essas pinturas não trazem nada de radicalmente novo. São cenas do dia a dia, retratadas sob o olhar único de cada artista. E, curiosamente, foi exatamente isso que os impressionistas fizeram no final do século XIX—captaram a essência do cotidiano com uma nova sensibilidade, sem a necessidade de reinventar a arte do zero.
Elas podem não ser inovadoras no sentido tradicional, mas carregam um frescor que contrasta com a atmosfera carregada e, muitas vezes, excessivamente negativa da produção contemporânea. Nesse retorno ao essencial, há uma autenticidade que, por si só, já é um sopro de novidade.
O problema é que, para isso, é preciso tempo.
Tempo para pesquisa, para experimentação, para deixar a ideia amadurecer. No caso dessa exposição, tive a oportunidade de conversar com a curadora, Jemma, e até mesmo para encontrar os artistas foi necessário um tempo de busca.
E é justamente esse tempo que o sistema atual não permite. O ritmo frenético dos lançamentos e das vendas, em qualquer setor, transforma o ato de criar em uma engrenagem industrial. O resultado? No mundo da moda, peças que parecem versões recicladas de algo que já vimos, sem o frescor da reinvenção genuína.
As grandes maisons, que antes ditavam tendências com criações icônicas e mudanças estruturais na moda, hoje estão reféns da lógica do consumo acelerado. A pressão por novidade constante sufoca a inovação e gera um ciclo exaustivo de contratações e demissões de diretores criativos, na tentativa desesperada de encontrar a próxima grande ideia—que, ironicamente, não pode surgir nesse ritmo caótico.
Balenciaga, que fechou sua maison para não comprometer sua visão artística, talvez estivesse certo ao perceber que a excelência não pode ser produzida às pressas. A pergunta que fica é: será que o mercado de luxo terá coragem de pisar no freio antes que a criatividade seja totalmente sufocada?
O que isso tem a ver com a sua marca?
Até onde você iria por dinheiro?
Muita gente não conhece Cristóbal Balenciaga. No mundo de hoje, onde tudo gira em torno de lucro e escala, alguns diriam que ele foi “burro” por não se adaptar ao mercado. A verdade? Ele tinha potencial para ser o maior nome da moda, mas escolheu parar antes de trair seus próprios valores.
Quem compartilha dessa mesma visão entende que sua decisão foi um ato de coragem. Cristóbal disse não a um sistema que comprometia aquilo que ele mais prezava: a excelência, a entrega impecável às suas clientes, a qualidade inquestionável de seu produto final.
Talvez ele seja pouco conhecido pelas gerações que vivem o instantâneo, mas para quem valoriza propósito e qualidade acima de números, Balenciaga continua sendo uma referência absoluta.
Quando se cria uma marca, uma das primeiras definições são os valores que a sustentam. Mas valores não são apenas palavras bonitas para colocar na apresentação da empresa.
“Ah, sustentabilidade está em alta, então esse será o meu valor.” Mas quando chega a hora de pagar mais caro por uma matéria-prima verdadeiramente ecológica, a pessoa finge que não sabe e compra da China, para baratear os custos e lucrar mais.
Valores reais exigem comprometimento.
Se seu valor é a BELEZA, tudo o que você fizer será esteticamente impecável—mesmo que isso demande mais tempo (olha eu aqui sempre sofrendo! haha).
Se seu valor é a EXCELÊNCIA, você fará o melhor possível, ainda que isso signifique um lucro menor no curto prazo.
Se seu valor é o FEITO À MÃO, você não vai colocar um detalhe artesanal em uma peça produzida em grande escala só para vender uma imagem.
E assim por diante.
Valores não são enfeites, são compromissos. É por isso que se chamam valores. E aqui, lembramos da famosa frase:
“É justo que muito custe o que muito vale” - Santa Teresa D’Ávila
Antes de definir os valores da sua marca, pergunte-se: o que isso realmente significa? O que isso pode te custar, caso seja colocado à prova?
Para Cristóbal, custou sua maison. Seu maior sonho.
E para você, o que os seus valores custariam?
Para aumentar o repertório:
Ouça o podcast da BOF Why Can’t Fashion Fix Its Labour Exploitation Problem? (Por que a moda não consegue consertar o seu problema de exploração laboral?), em inglês.
Assista à série Cristóbal Balenciaga no Disney+, em espanhol - na minha opinião, uma das melhores séries bibliográficas da moda.
Assista ao documentário In Vogue, Anos 90 no Disney+, em inglês - já que estamos no tema da moda, entenda como os anos 90 impactaram a Vogue como marca.
Uma reflexão mais curta, para te fazer rever os conceitos por traz da sua marca.
E se você não sabe como definir ou comunicar os seus valores, eu posso te ajudar. Me chame no Instagram e vamos conversar!
À bientôt,
Francy.
Amei tudo, desde a primeira palavra. Obrigada pelo texto tão rico!